El Ojo, Chapolin e Propaganda

El Ojo, Festival

Na semana passada, a capital argentina recebeu mais uma edição do El Ojo de Iberoamérica, um dos principais festivais de publicidade do mundo e, provavelmente, o maior quando o assunto é a publicidade latino-americana.

E lá fui eu – com meu portunhol numa mão e toda a latinidade que pude reunir em mim – entender como nossos hermanos estão vendo o momento atual e, principalmente, os caminhos que nossa indústria deve seguir daqui para frente.

Não demorou mais que meio dia para todo mundo perceber qual seria, afinal, a discussão do ano no festival: dados e a sua influência na propaganda.

Nesse mundo cheio de informação, históricos, medições e previsões, a criatividade deve servir aos dados ou o contrário? A gente ainda precisa de criatividade ou a propaganda virou tecnologia?

É… se você, como eu, achava que só a gente estava confuso e preocupado com isso, fique tranquilo: tá todo mundo perdido. Em espanhol, inglês ou português.

A incerteza sobre a influência do uso massivo de dados na comunicação é tão presente na América Latina quanto o Chapolin Colorado.

Sim, eu fiz essa relação. E, pasmem, muitas das minhas conclusões sobre o assunto vieram de tudo que eu aprendi, lá nos anos 80 e 90, com o Polegar Vermelho. Portanto, sigam-me os bons!

Palma, palma, não priemos cânico.

Os dados não são um problema para a propaganda, são uma característica do mercado. E não dá para resolver características. A gente tem que lidar com elas.

É impossível parar o avanço da tecnologia ou ignorar a sua influência. Várias indústrias já tentaram, tomaram uma marretada biônica e tiveram que se reinventar. Quase sempre elas conseguiram isso se agarrando às suas essências.

Com a propaganda não é (e não vai ser) diferente.

O digital bagunçou o modelo de negócios de veículos e agências. As redes sociais colocaram as marcas em praça pública. E, agora, os dados guiam as decisões de marketing, forçando as agências a se adequarem sob o risco de perderem espaço para quem entende do assunto, como as consultorias.

Parece impossível, eu sei, mas a resposta está, de verdade, na essência do que a gente faz.

A publicidade sempre foi sobre entender pessoas e se conectar com elas. Os dados podem traçar cenários incríveis, mas para captar o que esses cenários significam na dimensão humana, ainda não inventaram nada melhor que as anteninhas de vinil que a publicidade desenvolveu ao longo de décadas.

Suspeitei desde o princípio.

Ok, os dados estão aí e não adianta mais fingir que a gente não tá vendo. Mas, até que ponto devemos confiar neles?

Essa foi outra boa discussão no El Ojo e, no final, acho que eu estou com o Malcolm Poyton, CCO Global da Cheil,

Para ele, o problema dos dados é que eles trabalham dentro das linhas, do que é conhecido. Eles entregam o que se espera deles. Ou seja, se a gente seguir direitinho, na maioria das vezes vamos chegar onde esperávamos chegar.

A questão é que o mundo e as pessoas teimam em não serem binários. E, aí, muitas vezes, estamos além das fronteiras das exatas.

Para o Luis Fernando Dugano, da Y&R Latam, trabalhar com dados não significa trabalhar com todas as informações disponíveis. Há sempre o imprevisto e nem o algoritmo mais moderno já é capaz de calcular o que ainda não existe.

Portanto, não podemos abrir mão do imenso conhecimento que os dados trazem, mas precisamos suspeitar para onde eles vão nos levar, sempre.

Oh! E agora, quem poderá me defender?

Parece simples. Se os dados não garantem o sucesso absoluto, danem-se os dados. Mas, é claro que não é bem assim.

Por mais que todo mundo aplauda aquele case lindo, a publicidade continua sendo julgada, de verdade, muito longe dos festivais. É nas planilhas de Excel do final de cada quarter que descobrimos se a campanha foi bem ou não.

Ou seja, do ponto de vista do negócio, abrir mão de toda a informação que está disponível para confiar apenas na nossa corneta paralisadora, capaz de fazer as pessoas pararem para ouvir nossa mensagem, parece uma aposta arriscada. E é.

Dá medo mesmo. E, de novo, você não está sozinho.

O Fernando Machado, CMO Global Burger King, disse que tem medo, mas faz. Já o Javier Campopiano, da FCB México, disse que tem muito medo, mas só depois de ter vendido a ideia pro cliente, quando não dá mais pra tomar pílula de nanicolina e sumir.

Normal. Trabalhar nas incertezas dá medo. Assumir riscos é aterrorizante. Andar por onde ninguém nunca andou é muito menos seguro. Mas, se a gente quer “colorir fora das linhas”, não tem jeito, vamos ter que nos arriscar.

Aproveitam-se da minha nobreza.

Não, eu não estou falando para largar toda a racionalidade e a avalanche de dados que jogaram sobre você e se lançar numa aventura criativa inconsequente.

Mas, menos ainda, estou sugerindo que você se agarre nas pseudo-certezas que os dados te trazem para pautar a sua comunicação.

O mundo é mais complexo que isso e é aí que está a beleza do mundo.

Os dados muito provavelmente estão falando a verdade. Se segui-los, há grandes chances de você chegar no destino esperado. O problema é que, em propaganda, muitas vezes o que a gente persegue é justamente o inesperado.

Em três dias de El Ojo, ficou claro para mim que, mesmo que nossos briefings estejam cheios de dados, ninguém sabe direito aonde a gente tá indo. E, aí, pra navegar nesse mundo, a melhor bússola talvez seja mesmo apostar nos dois: manter o olho nos dados e a mão no coração.

Ou, como todos aprendemos há trinta anos com o Chapolin: sim, nossos movimentos precisam ser friamente calculados. Mas, se quisermos ser heróis de verdade, continuamos precisando contar com a nossa astúcia.

Rafael Ferrer
Rafael Ferrer é sócio e diretor de criação na Quintal mas a gente sabe que no fundo no fundo ele queria é ser um personagem da série Sons of Anarchy.